quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Hunger Games

"Porque Peeta?
Foi durante a pior época da minha vida. Meu pai havia morrido no acidente da mina três meses antes, no janeiro mais amargo que alguém pode ter notícia. O entorpecimento da perda havia passado, e a dor me atingia repentinamente, fazendo meu corpo se contorcer, se sacudir de soluços. Onde você está? Eu gritava na minha cabeça. Pra onde você foi?
É claro que jamais obtive uma resposta.
O distrito nos dera uma pequena quantia de dinheiro como compensação pela morte dele, o suficiente para cobrir um mês de luto, e depois disso minha mãe deveria arranjar um emprego. Mas ela não arranjou. Ela não fazia nada além de ficar sentada em uma cadeira o tempo todo ou, mais frequentemente, debaixo dos cobertores na cama com os olhos fixos em algum ponto distante. Com onze anos, assumi a chefia da família.
Mas o dinheiro acabou e nós começamos lentamente a morrer de fome. Não há outra maneira de colocar a coisa.
Na tarde em que me encontrei com Peeta Mellark, a chuva estava caindo em incessantes jatos gelados. Eu estivera na cidade tentando trocar algumas roupas velhas de bebê pertencentes a minha irmã no mercado público, mas não aparecera nenhum comprador. Eu não podia ir para casa porque lá estavam minha mãe com seus olhos mortos e minha irmãzinha com suas bochechas descarnadas e os lábios rachados. Eu não podia entrar naquela casa com as mãos vazias de qualquer esperança.
Quando passei pela casa do padeiro, o cheiro de pão fresquinho foi tão arrebatador que fiquei tonta. Os fornos ficavam nos fundos, e um brilho dourado escapava pela porta aberta da cozinha. Fiquei lá parada, hipnotizada pelo calor e pelo aroma delicioso até a chuva interferir, passando seus dedos gelados pelas minhas costas e me forçando a voltar para a vida real. Levantei a tampa da lixeira do padeiro e a encontrei brutalmente vazia. De repente, alguém berrou na minha direção e vi a mulher do padeiro mandando eu sair dali. As palavras eram feias e eu não tinha nenhuma defesa.
Enquanto recolocava cuidadosamente a tampa da lixeira no lugar e me afastava, reparei a presença dele, um garoto louro espiando por detrás da mãe. Eu o vira na escola.
Ele estava no mesmo ano que eu, mas eu não sabia o nome dele.
A mãe voltou para a padaria, resmungando, mas ele deve ter ficado me observando enquanto eu contornava o cercado onde estavam os porcos e me encostava em uma velha macieira. A percepção de que eu não conseguira coisa alguma que pudesse levar para casa finalmente se instalara em mim. Meus joelhos fraquejaram e escorreguei até as raízes da árvore. Era demais para mim. Eu estava doente, fraca e muito, muito cansada mesmo.
Ouvi um barulho de metal na padaria e a mulher gritando novamente e, em seguida, o som de uma explosão, e vagamente imaginei o que estaria acontecendo. Pés chapinharam sobre a lama na minha direção e pensei: 'É ela. Ela está vindo me expulsar daqui com um cabo de vassoura.'
Mas não era ela.
Era o garoto. Em seus braços ele segurava dois grandes pães que devem ter caído no fogo, pois estavam bem chamuscados.
A mãe estava berrando.
– Dê para os porcos, criatura idiota! Por que não? Nenhuma pessoa decente poderia querer um pão queimado!
Ele começou a arrancar pedaços das partes mais chamuscadas e lançou para os animais.
O garoto em momento algum olhou na minha direção, mas eu o observava o tempo todo. Por causa do pão, por causa do vergão avermelhado que eu via em seu rosto. Com que
tipo de objeto ela batera nele?
O garoto deu uma olhada na padaria, como se estivesse se certificando de que a área estava limpa e então, com a atenção de volta aos porcos, jogou um pão na minha direção. Logo em seguida veio o segundo, e ele chapinhou de volta à padaria, fechando com firmeza a porta atrás de si.
Mirei os pães sem conseguir acreditar em meus olhos. Eles estavam bons, perfeitos, na verdade, exceto algumas poucas partes queimadas. Será que o garoto quis que eu ficasse com eles? Acho que sim, porque caíram pertinho de mim. Antes que alguém pudesse testemunhar o que havia acontecido, enfiei os pães embaixo da roupa, apertei a jaqueta contra o corpo e fui embora sem alarde.
Somente na manhã seguinte me ocorreu a ideia de que o garoto pudesse ter queimado o pão de propósito. Talvez ele tivesse jogado os pães nas chamas, mesmo sabendo que seria punido, e depois os tivesse dado a mim. Mas não levei em consideração essa ideia. Deve ter sido um acidente. Por que ele teria feito isso?
Ele nem me conhecia.
'Bem, penso, seremos 24 por lá. Há muita probabilidade de outra pessoa matá-lo antes de mim.'
Mas é claro que, ultimamente, as probabilidades não andam muito confiáveis."

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